i: na cidade exposta: coimbra

Na Cidade Exposta: Coimbra, é o título da exposição de fotografias que inaugurou a 21 de Março no Liquidâmbar (à Praça da República, 28, 1.º, em Coimbra).

A mostra reúne um conjunto de dezasseis fotografias, a cores e a preto-e-branco, que procuram levar à letra o texto da folha de sala (ver infra).

O cartaz é da autoria de Ana Catarino.

Como epígrafes, duas citações de Italo Calvino, retiradas de uma das obras essenciais que me têm acompanhado ao longo da vida, As Cidades Invisíveis.

A primeira, sobre fotografia minha que retrata o apeadeiro do Parque (da antiga linha da Lousã, actualmente desactivado), procura chamar a atenção para um dos problemas mais séries com que Coimbra está confrontada: a perda de habitantes - os mais velhos cada vez mais velhos, os mais novos sempre de saída, os estudantes em perpétuo trânsito.

A segunda, procura alertar para a necessidade da recuperação de um certo sentido de pensamento urbano, traduzido em planos que impliquem com toda a cidade, incluindo as suas memórias.

O catálogo das formas é infinito: enquanto houver uma forma que não tenha encontrado a sua cidade, continuarão a nascer novas cidades. Onde as formas esgotam as suas variações e se desfazem, começa o fim das cidades.
[As Cidades Invisíveis, tradução de José Colaço Barreiros, Teorema, 1996]

TEXTO DA FOLHA DE SALA

A ideia de Na Cidade Exposta: Coimbra surge na sequência de uma impressão visual experimentada durante um passeio por uma avenida de Lisboa, numa manhã de sábado do ano de 2016. Pouca gente, ar respirável, asfalto silencioso, luz transparente. De súbito, ao cruzar uma passadeira, um olhar despreocupado revela, à esquerda, uma inesperada perspectiva da cidade que suscita uma profunda sensação de espanto, associada a uma inquietante estranheza – era como se aquela imagem que o olhar via não pudesse representar um lugar próprio da cidade. Foi esse o momento catalisador do projecto, então iniciado, de recolha de vistas e pormenores da cidade que transmitissem essa dimensão rara que, muitas vezes, escapa ao nosso olhar demasiado apressado, cansado e, por isso mesmo, esquecido – de si e do outro.

Um ano depois, a ideia surgida dessa mescla de sensações vivida em Lisboa teve continuidade quase obrigatória em Coimbra – cidade a que regressei ao fim de quase trinta e cinco anos de ausência –, assente num princípio que veio reforçar a experiência de outros níveis de percepção da realidade urbana, agora enquadrados segundo as categorias de fractura, intervalo, abandono, assombro, esquecimento, grito.

Coimbra tornou-se, assim, a cidade exposta – na dupla dimensão de paisagem e obra – e o que hoje aqui se mostra – nas imagens impressas da cidade – é o resultado de um processo que implica, em primeiro lugar, o assumir da caminhada livre, o movimento de um olhar disponível para o inesperado de um plano e das suas linhas de fronteira; um encontro ou uma escolha que pode determinar, também, a possível duplicação da imagem através da selecção de um pormenor que lhe escapa, se emancipa, tornando a cidade um lugar por vezes demasiado estranho – como se já quase não lhe pertencêssemos. Talvez dê que pensar.